Babys.

Penumbra (Capítulo 4)

 Penumbra. 

Capitulo 4. 

O movimento do carro era rápido e ritmado, não avia nenhum obstáculo naquele lugar, então não era tão complexa a movimentação. Dentro do veículo, eu estava sentado na parte de trás, recebendo um vento sem temperatura contra meu rosto, a minha frente Shinnayder sentava a direita no banco no motorista, enquanto, a garota que agora sei que se chama Sarah, dirigia sem desviar atenção da terra a frente. 

Vagueio os olhos pelo local. Não a uma montanha, uma planta, ou qualquer outra coisa, a terra é inteiramente apenas tomada por poeira e pedras. O céu escuro te traz uma sensação como se estivesse em um pesadelo, e o único som que se ouve é do motor do Jeep. 

Enquanto analisava o lugar, ouço os pneus frearem, e meu corpo ir para frente. Apoio as mãos nos bancos me impedindo de saltar do lugar. 

- Por que fizeram isso? - Se fosse possível respirar, meu coração estria acelerado no peito.  

A garota de olhos puxados afasta a máscara novamente, e olha para seu amigo no banco do lado.  

- Shinnayder pergunte de uma vez o que você quer saber, esse seu bater de pé está me irritando. 

Presto atenção nas suas palavras, e só então percebo que o homem grande ao lado realmente estava batendo a perna rápido. 

Me encosto no banco e cruzo os braços. O silencio no lugar é quase nauseante.  

Ele então se vira para mim, e me encara, me analisando. Seguro o olhar, e o observo igualmente, ele não parece ter mudado tanto desdá última vez que estive aqui, mas também não sei dizer como o tempo funciona nesse lugar. Sinto vontade de questionar sua observação, mas antes que pudesse falar, ele toma a frente. 

- Como veio parar aqui? 

Sua pergunta termina, e minha boca se abre levemente, sem saber o que dizer. 

Como vim parar aqui? Não sei. Uma hora estou entre os vivos, e em outro momento estou aqui, nesse deserto não terrestre.” 

Continuo o olhando, ainda sem saber qual resposta ele quer com essa pergunta.  

Desvio os olhos dos seus, e estalo o pescoço. 

- Não sei como acontece para eu estar aqui. A primeira vez que estive, era pra eu estar em coma, não nesse lugar que parece um jogo de cenário infinito.  

Os dois se olham por alguns momentos. 

Shinnayder então se vira para mim novamente, e sorri. 

- Vamos descer?  

Franzo o cenho sem entender o que está acontecendo, e concordo.  

O local que paramos parasse exatamente igual ao que estávamos, apenas pedras e nada mais. Na verdade, todo canto que se olhava parece exatamente idêntico, acredito que se corresse para longe, e olhasse para baixo, eu encontraria as pedras na mesma posição.  

Ponho os pés no chão, e quanto mais tempo aqui, mas estranho o lugar fica. Não há qualquer tipo de cheiro aqui, seja da poeira, até mesmo das pedras, nada é identificável e tudo parece irreal.  

Escuto as portas batendo, Sarah chega até nós, e então Shinnayder estende um longo pano pelo chão, se sentando nele logo em seguida. Sarah olha para algum ligar no horizonte e se afasta nos deixado a sós.  

Sem saber o que fazer, apenas sento sobre o pano também, observando a garota se afastar e quase sumir na escuridão. 

Vejo o homem a minha frente tirar sua mochila das costas, abrindo, e retirando dois livros velhos de lá, a qual um identifiquei como a bíblia, e o outro estava em uma escrita que não consegui traduzir.  

- É religioso? - Digo apontando para o objeto grande, e um pouco deteriorado pelo tempo.  

Ele não me olha, mas sorri com a pergunta passando a mão carinhosamente por cima, e tirando a poeira. 

- Às vezes, para se manter vivo você precisa acreditar em algo. - Não digo nada, apenas observo o cuidado que tem com ambos os livros que segura, como se um movimento brusco fosse fazer com que eles sumissem.  

A garota então se reaproxima, ela traz om sigo algumas pedras mais escuras do que as que tem ao nosso redor, posiciona todas em círculo, e então olha para Shinnaiyder. 

- Você sabe o que fazer. - Ele também não a olha a falar, Sarah revira os olhos e tira uma pequena faca da algum lugar de sua mochila, e coloca a lâmina contra a própria mão. 

- Espera, o que está fazendo? - Estendo a mão, mas antes que pudesse interromper, ela corta a carne, que libera o mesmo liquido espesso e preto que saiu de mim no dia em que vim pela primeira vez, o mesmo líquido que o médico insinuou que corria nas minhas veias. 

Paro o movimento, observando aquilo cair sobre as pedras da mesma cor, e sentir calor emanando delas, junto com um fogo azul. 

Observo aquilo em choque, ela deixa a faca sobre o pano, e vejo o ferimento em sua palma rapidamente fechar, fazendo meus olhos se abrirem mais.    

Escuto a risada alta de Shinnayder ao meu lado, ele balança a cabeça, e agora vejo que os dois livros estão abertos sobre seus joelhos. 

- Você está assustando o garoto. - Ele diz para a garota ao seu lado, que desvia seus olhos do mesmo e me encara. 

Sinto minhas bochechas esquentarem levemente, e desvio os olhos. 

- Eu não sou um garoto, eu tenho 25 anos. - Digo, sem ver nenhum deles, e de repente, a risada para, e o silencio se instaura novamente fazendo com que meus olhos voltem para os dois. 

A garota esfrega os dedos na palma da mão, olhando para baixo, enquanto Shinnayder olha os livros. 

Abaixo a cabeça também, sem saber o que fazer.  

Ouço um suspirar, e levanto os olhos. 

- Qual o seu nome? - Ouço a pergunta vindo do homem. 

- Arthur Spinna. - Digo. 

Ele apenas balança a cabeça e concorda. 

Vejo seus dedos folhearem a bíblia, e parearem um pouco antes do final. 

- Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Gálatas 6:7 

Sua fala ecoa entre nós. 

Nunca fui um cara religioso, meu único contato com a igreja na verdade durante muito tempo foi pela minha mãe. O interesse pela religião nunca surgiu para mim, nunca critiquei os fiéis, apenas não entendia suas motivações. 

Concordo levemente com suas palavras, não entendendo o porquê de sua fala. 

- Shinnayder, seja explicito, esses seus joguinhos religiosos são um saco. 

Sarah diz, quebrando o silencio entre nós, e me olhando. 

- Bem, então, realmente não sabe como veio até aqui? 

Agora, ele tirou os olhos das páginas velhas, e me olha. 

Viro a cabeça levemente para o lado. 

- Uh, não eu acho, tipo eu...- Antes que pudesse terminar a frase, a memória do andarilho do garoto que entrou em mim vem a minha mente, e precipito as palavras. - Bem antes de eu vir para cá, o andarilho de um garoto entrou em mim, o que não costuma acontecer, já que andarilhos seguem apenas seus donos. Mas aqui foi diferente, fiquei em coma por cinco dias por causa disso, foi a primeira de muitas coisas estranhas que aconteceram nos últimos tempos. 

Termino minha fala, e agora os dois me encaram confusos. 

- Andarilho? - Em uni solo, ouço as suas vozes.  

E é minha vez de os encarar. 

- É, as criaturas que surgem de sentimentos ruins.  

Shinnayder então salta a minha frente, e segura meus ombros, extremamente perto de mim. 

- Você os vê? - Seus olhos estão abertos, Sarah se levantou ao seu lado, e está mais próxima também.  

Engulo em seco, e sorrio sem graça. 

- Não é um pré-requisito para vir para cá? - Digo sem entender suas reações a minha fala. 

Ele então se afasta me soltando, e pega o outro livro ao seu lado, o folheando rapidamente. 

- Por que “andarilhos”? - Sarah pergunta em pé, me encarando com os braços cruzados. 

Balanço os ombros. 

- Eu era adolescente quando dei esse nome a eles, nunca tinha encontrado nada sobre aquelas coisas na internet, e precisava de algo para chama-las. “Andarilho” pareceu suprir a função. 

Ela me olhava, e se aproxima, se ajoelhando a minha frente. 

- A quanto tempo vê os “andarilhos”? 

Agora mais próximo do seu rosto, vejo melhores seus olhos cor de âmbar, seu nariz pequeno, e os lábios finos com uma pequena cicatriz na boca.  

- Des dos meus cinco anos. Foi bem complicado. 

Uma de suas mãos vem em direção aos meus rostos, afastando alguns fios de cabelo da minha testa, ela sorri levemente. 

- Eu comecei a velos com dez anos, quando fui morar com meus avós. Eu era muito tímida naquela época, e desde criança nunca fui de falar muito, quando vi umas daquelas coisas pela primeira vez, tive vários pesadelos. Meus avós brigavam o tempo todo, então vez ou outra avia um desses “andarilhos” por lá. 

Seu olhar tem um pesar de tristeza, e por um momento tenho a vontade de abraçá-la, mas me contenho. 

- Teve mais sorte que eu, eu era do tipo de criança que não calava a boca, e ficar falando por aí que tem coisas perseguindo as pessoas, não faz ninguém te olhar com bons olhos. - Sorrio em sua direção. 

Shinnayder tosse, nos tirando do contato. Sarah se afasta sentando ao seu lado novamente, e mesmo com a pouca luz vejo suas bocejas vermelhas. 

Vai empatar a foda dos outros no inferno seu velho do diabo.” 

O encaro enquanto ele passa os dedos por algumas linhas do livro até parar quase no final da página.  

- Cocuarens. - Ele diz, sua voz soa sozinha. 

Observo Sarah que não fez nada mais além de manter a cabeça baixa e ficar em silencio.  

Suspiro e olho para o homem a minha frente. 

- O que isso deveria significar? 

Ele folheia mais umas páginas e me olha. 

- Pelo que ouvi, disse que via esses “andarilhos” dês dos cinco anos correto?  

- Sim. 

- Pois bem – Ele mantem o livro aberto entre as pernas. - Cocuarem são uma tribo que vive em uma ilha remota no ponto Nemo do pacifico. São um povo muito hostil a qualquer contato, o que faz jus ao lugar onde moram. O que importa é, eles têm algumas respostas para o que passam aqui.  

Dessa vez, cruzo os braços e presto mais atenção no que diz.  

- O que quer dizer com isso?  

- Lá é cultuado um Deus chamado Vikfar, que é conhecido e adorado por seu amor e justiça aos humanos, e pôr abençoá-los de maneiras diferentes. - Ele respira, olha para o livro novamente, e volta a falar. - Nas histórias, é dito que Vikfar amava os humanos desde sua existência, mas com o tempo, foi percebendo toda a maldade que eram capazes de fazer, e por nunca lidarem com as consequências, Vikfar decidiu puni-los.   

Sarah também começou a prestar atenção em sua fala. 

- Ele então criou os “Transcendes” são pessoas que nasceram com os ‘olhos abertos’ para o mundo e suas maldades, acompanhado disso, Vikfar também criou os “Boreãsque são as criaturas a qual você chama de andarilhos. Ele as criou com a motivação de mostrar que os sentimentos ruins dos humanos tinham consequências, e que eles eram extremamente poderosos.  

- Tudo isso então, é porque um Deus decidiu que os seres humanos precisavam ser punidos?  

Ele não para de falar mesmo com minha pergunta. 

- Para os Cocuarens, nascer com os ‘olhos abertos’ era um sinal de benção, significava que Vikfar achava que você era mais sortudo, ou melhor que os outros em qualquer aspecto, e tinha lhe dado o dom de ver o mundo real.  

- Eu não chamaria exatamente de benção ver esses bichos. - Reviro os olhos. 

  - Além disso, para os nativos, também existia um lugar chamado “Valum” que é para onde Vikfar mandava seus escolhidos, esse lugar é protegido pelos "Merthures", são criaturas longas, com braços e pernas longos e negros, e sorrisos assombrosos no rosto. 

Arregalo os olhos no momento em que escuto sua descrição. 

- Puta merda, uma dessas criaturas estava na minha casa depois que acordei do coma! 

Os dois me olham agora. 

- Depois que acordei e voltei para casa, avia uma dessas criaturas no meu quarto com a mesma descrição, braços e pernas, sorriso assustador, ela também parecia mais consciente que um andarilho, pois reagiu a voz dos meus amigos que estavam comigo. Ela também... entrou no meu amigo, ela o fez enxergar esse mundo, ele não nasceu com isso, mas ela deu a ele a visão. - Paro de falar. 

Shinnayder me olha, confuso, balança a cabeça e mexe no livro novamente. 

- Continuando, chamo esses "Merthures" de “Perseguidores”, e essa é exatamente a função deles. Como eles guardam o Valum, uma vez que alguém entra , não pode mais sair, e quando sai, um perseguidor vai atrás dele para o trazer de volta. 

- Ele não me trousse de volta, pelo contrário, ele simplesmente entrou no meu amigo. 

- E isso é mais confuso, perseguidores não deveriam mudar seus objetivos por qualquer outra pessoa, eu não consigo entender a situação, não a nenhum relato de um perseguidor que tenha entrado em alguém. 

“Se aquela criatura veio atrás de mim, por que ela hesitou em se aproximar?  Quando Rafaela apareceu, ele correu até ela, não para mim. E quando a abracei, ele me encarava como se não pudesse fazer nada.” 

Passo a mão pelos cabelos, confuso e cansado de toda aquela situação. 

- A mais alguma coisa sobre tudo isso? Esse valum, é onde estamos agora? - Shinnayder me olha.  

- Sim, o Valum é exatamente onde estamos. Todos os nativos daquele lugar acreditam que o Valum, é como o céu para os cristãos, é um local perfeito, sem nada de ruim. 

Olho ao redor, e solto uma risada sarcástica. 

- Eu não sou religioso, mas duvido que o céu seja assim. 

- Mas os que vão ao Valum não costumavam voltar, não é? 

Confuso, olho para Sarah. 

- Como assim? Eu voltei, é a segunda vez que volto para cá. 

Os dois se entreolham, e eu franzo mais a testa, não entendendo o que está acontecendo.  

- Realmente, na ilha não costumavam voltar, os nativos comiam o membro que tinha “partido”, eles o devoravam como uma maneira de receber a benção também. E escolhidos ficam presos no Valum, não retornam mais.  

Abro a boca em choque, sem crer o que estava ouvindo. 

- Mas o coração da pessoa não para quando ela está aqui...- Eu sabia que não parava, o médico mesmo avia me dito “Seu coração batia tão suavemente que acreditamos que estava dormindo...” - Eles, comem ela ainda vida, por isso eles não sabem como é esse lugar. 

Shinnayder foi o primeiro a me fazer uma pergunta. 

- Como sabe que o coração não para? 

Suspiro, coçando a cabeça, sem entender sua confusão.  

- Na vez em que vim parar aqui, eu tinha entrado como em um coma. Assim que acordei o médico me explicou como eu fiquei nesse tempo, ele disse que meu sangue ficou igual ao que saio da Sarah quando ela se cortou, disse que os exames não achavam nenhum motivo para aquilo, que nenhum remédio funcionava em mim. E principalmente, falou que só me manterão vivo pois meu coração batia tão normalmente que eu parecia estar dormindo. 

Aquilo tudo era estanho demais, suas dúvidas confusas eram estanhas, se passaram pelo mesmo que eu, sabiam que o coração não parava, sabiam que tem como voltar. Eu sentia que avia algo entre eles, algo mais secreto que não queriam me contar, podia notar isso pelos seus olhares. 

- Como vocês não sabem disso? Quando vieram para cá a primeira vez, ninguém levou vocês a um hospital?  

Mais uma vez eles se olham, um semblante triste, começo a sentir minhas mãos suando.  

- O que vocês estão...- Antes que pudesse falar, Shinnayder fecha rápido o livro, fazendo com que um som alto de estalo soe. 

Fico em silencio, sem saber o que fazer, um medo me toma levemente, e aperto minhas mãos. 

- Como ficou seu amigo depois que um perseguidor entrou nele?  

Sua pergunta me pega de surpresa, e por um momento, quase não percebo a pressão que estava fazendo nas minhas mãos. 

- Ah, ele... Ele ficou bem, consegue ver os andarilhos agora, tirando isso, está bem. 

Minha resposta não sai muito clara, pois antes que consiga raciocinar, percebo que não sentia nenhuma dor ao apertar a mão, faço novamente, cravando as unhas curtas na carne deixando marcas, e nada.  

- Não sinto dor... Esse lugar, não consigo sentir dor aqui. - Digo mais baixo do que o normal. 

Escuto uma gargalhada de Shinnayder, e aquilo aumenta mais o medo em meu peito. 

- É claro que não garoto, esse é para ser o lugar perfeito lembra? Nada de sentimentos ruins, nada de qualquer coisa que faça você ficar mal, aqui é o paraíso. 

Me levanto devagar, cauteloso. Não sei o que está acontecendo, mas não quero descobrir se o que me machucar aqui vai me causar algum dano no outro mundo.  

- Entendi, e como eu faço para voltar? - Não sei o que eles têm, mas não gostaria de ficar mais para descobrir. 

Sua risada fica mais sombria, e sinto um arrepio nas costas. 

- Voltar? Voltar?! Você quer saber como voltar? - Ele se levanta, os livros caindo no chão, caminha em minha direção com passos firmes.  

Sarah se levanta, chegando próxima ao colega.  

- Shinnayder, já chega, pare com isso. - A garota se aproxima dele, que lhe afasta com um empurrando no peito, a fazendo cair.  

Paro meus passos, e o empurro com as mãos. 

- O que você está fazendo? Que merda deu em você? - Ele puxa o colarinho da minha blusa, e com facilidade, me ergue me deixando com as pontas dos pés no chão. 

- O que você tem de tão especial em? Por que você conseguiu sair? - Seu rosto vermelho a centímetros do meu, a duvida surge na minha mente “Especial? Porque eu seria especial?” e antes que pudesse ter qualquer reação, vejo a mesma faca que Sarah usou para cortar a própria mão, sendo enfincada na lateral da cabeça do homem que me segurava. 

Suas mãos se afrouxam, e volto ao chão, dando alguns passos em falso para trás. Me afasto da cena, vendo a garota retirar a faca com um certo esforço, o sangue preto se acumulando sem escorrer no lugar da ferida, o corpo duro de Shinnayder caindo sobre o pano.  

Dou mais alguns passos, sem reação a cena. 

Olho para Sarah, que olha o corpo no chão se expressão. 

O ar não passa pelos meus pulmões, não sinto meu coração bater, e mais uma vez tenho que me acostumar com essa sensação angustiante.  

- O que você fez?...- A pergunta são tão baixo que nem mesmo tenho certeza se as palavras saíram pela minha boca.  

Ela não me olha quando responde. 

- Ele vai voltar.  

- O que?... 

- Ele. Vai. Voltar. - Cada palavra sai pausadamente de sua boca, e não sei idêntica o que significa. 

Consigo sentir minhas mãos tremendo, quero sair desse lugar. Preciso sair desse lugar. 

- Como eu saio daqui? - Agora seus olhos veem para mim. - Por favor, eu preciso sair.  

Ela não esboça qualquer reação, pelo contraio, parece nem ligar para o que digo. Sarah dá alguns passos até mim. 

- Me diga Arthur, como uma pessoa faz para se acostumar com algo?  

Franzo o cenho. 

- O que?...  

Ela suspira, e se aproxima mais. 

- Como uma pessoa faz para se acostumar com qualquer coisa? - Pergunta novamente. 

Não entendo o motivo da sua pergunta, mas mesmo assim, fecho os olhos e tento buscar alguma resposta coerente.  

- Bem, pratica, é uma opção, também repetir sempre a mesma coisa, visitar o mesmo lugar, beber e comer do mesmo jeito, falar de uma determinada forma, escrever de uma maneira, tem vários meios de se acostumar com algo, o que todos tem incomum é a frequente repetição da coisa. 

Ela me olha, se aproxima, seu corpo tocando levemente o meu. 

- Qual a forma violenta de se acostumar com algo?  

Sua voz soa a centímetros da minha boca, meus olhos focam em seus lábios finos. 

- Eu não sei... - Minha voz quase desaparecer com a aproximação. 

- Viver através do medo. O medo força você a se adaptar a qualquer situação pela sua própria vida.  

Seus olhos então também se abaixam, mas não para minha boca, para algo mais embaixo. 

Seu rosto vai para a lateral da minha cabeça, e sinto seus lábios tocando minha orelha. 

- Não se acostume com nada...  

Antes que possa dizer qualquer coisa, tudo se apaga, e meu corpo desliga. 

. 

. 

. 

Acordo com o corpo grudento pelo suor, espalmo a mão sobre o peito sentindo uma dor aguda no local. Respiro fundo puxando o ar com força. 

A luz da janela de frente para a cama adentra o quarto fechado. 

Tranquilizo a respiração, e sento na borda da cama, de costas para onde Victor ditou noite passada. Passo a mão pela testa, sentindo meus cabelos suados, e minha testa molhada. Minha cabeça dói, e sinto meus músculos tensionados.  

Não se acostume com nada...” 

Encaro meus pés, sem saber o que deveria interpretar daquela frase. Respiro fundo mais uma vez, fechando os olhos com força antes de pegar meu celular e verificar as horas.  

‘15:00’ 

Pisco os olhos, assustado com o quanto dormi. Levanto sentindo meu corpo dolorido como se não tivesse descansado nada. Olho para o canto do quarto a procura do andarilho da noite passada e não o encontro.  

Ele deve ter voltado durante a madrugada, e isso deve ter me levado ao Valum.” 

Atravesso o quarto e vejo a cama improvisada de Victor no chão vazia, revirando os olhos pela falta de educação.  

Caminho para a cozinha preparando um café, e avaliando o local ao redor, verificando que ele realmente precisa de uma limpeza. Abro as janelas e arrumo algumas coisas na cozinha, limpando o balcão e a pia.  

Recebi algumas mensagens de meu chefe mais cedo e decido ignorar até decidir que quero voltar para quele lugar. Mando algumas mensagens para Victor também o xingando por ter deixado as coisas bagunçadas e não ter me acordado quando saiu. 

Pesquiso um pouco também sobre a tribo que lembro de Shinnayder ter falado, e vejo algumas informações rasas sobre. Balanço a cabeça, e decido ir buscar algo mais detalhado na biblioteca que fica perto da minha casa. 

Pego a toalha para tomar um banho, e assim que seguro a maçaneta da porta, paro. 

Uma mosca varejeira anda sobre a madeira branca sem se preocupar com minha presença. Espanto a criatura do lugar, mas antes que possa forçar para abrir, vejo mais algumas saindo por debaixo da porta e olho ao redor.  

Respiro fundo sem sentir qualquer tipo de cheiro que indique algo que as atraias. 

Decido ignora e empurro a porta, sendo recebido por milhares das mesmas moscas saindo por ela.  

Caio no chão, tampando a boca e o nariz do enxame que me acertou. 

Abro os olhos quando percebo que boa parte já se espalhou pelo quarto, e a imagem que vejo, me assombrara até meu último dia vivo.  

Victor está encostado no azulejo do meu banheiro, ou melhor, grudado contra o azulejo, como se uma gosma preta tivesse sugado toda sua vida, morto, com larvas e vermes saindo e cobrindo sua pele que parece queimada. Seus ossos expostos, consigo ver seu crânio, ele deve ter tentado gritar antes de morrer, pela mandíbula afastada do resto. Não há mais vida nele a muito tempo. 

Sinto novamente um arrepio me tomar, uma presença se fazer nas minhas costas. 

Viro o resto novamente, tremendo, meu corpo doido e tenso, meu coração batendo tão rápido que sinto que vou desmaiar. E lá está ele novamente, os braços compridos, o corpo inclinado, e cabeça levemente virada para o lado, o sorriso no rosto macabro, me olhando, como se estivesse me esperando, um perseguidor. 

Sinto a dor na minha cabeça piorar.  

E seu sorriso parece aumentar quando a primeira lágrima escorre pelos meus olhos.  

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