Babys.

Visão (Capítulo 3)

 Visão. 

Capitulo 3 

O grito para repentinamente, mesmo com a cabeça um pouco zonza, vejo Rafaela na porta me olhando, a criatura agora se aproximou drasticamente dela. 

- Rafaela...- Meu coração martela no peito, minha voz é fraca, e estendo a mão a chamando para mim. 

- Arthur, você está bem? Está pálido e – Antes que continue eu a interrompo. 

- Por favor Rafaela, apenas corra pra mim. - Aquela coisa sabe que estou falando com ela, pois revessa o olhar entre nós dois. 

Rafaela me olha confusa, sem entender, e da passos leves até mim. 

- Eu não estou – Dessa vez, minha voz sai alta em sua direção. 

- Porra Rafaela, corre! - Consigo ver medo em seus olhos, e ela avança em minha direção. A criatura tenta a alcança com os dedos, mas antes que faça, eu abraço o corpo pequeno da garota, e viro, ficando de costas para aquilo que me observa, com as mãos abertas, como se apenas não pudesse me atacar. 

Meu corpo treme, e sei que ela pode sentir pois seus dedos se apertando contra mim. 

- O que está acontecendo? - Sua voz sai abafada, a aperto mais nos meus braços. 

- Fique em silencio. - Ela não contesta, apenas obedece, e respira devagar.    

A criatura ainda me olhava, virando sua cabeça para os lados, como se tentasse planejar o que fazer. Escuto mais passos vindo da cozinha, e Victor surge a porta, confuso com a situação. 

- Por que vocês estão demorando tanto? - Aquela coisa estão olha para trás, abre a boca enorme e ameaça o atacar. 

- Victor! - Grito, meu coração batendo forte, Rafaela me aperta com ainda mais medo. 

De repente, o ser que estava lá pula em sua direção, e entra nele. Paraliso. 

Igual a um Andarilho...Exatamente igual a quando um andarilho volta para mim, igual a como o andarilho daquele garoto fez comigo...” 

Victor então dá uns passos em falso para trás, e balança a cabeça, como se tivesse sido empurrado, ou estivesse tonto. Meu corpo tenso solta Rafaela aos poucos, e anda pesadamente em direção ao meu amigo. 

Ele balança a cabeça, e me olha, arqueando as sobrancelhas. Minhas mãos encostam em seus ombros, e sinto meus olhos lagrimejarem. 

- Cara, você está bem? Meu Deus, está tremendo pra caralho! - Abraço meu colega fortemente, não sabendo o que aquilo significava, não sabendo o que fazer.  

Seus braços me cercam sem jeito, e dão tapinhas nas minhas costas. Sinto algumas lagrimas quentes descerem minhas bochechas, e respiro fundo até conseguir me acalmar. Me afasto ainda tremendo, seu olhar mais perdido em minha direção.  

- Aconteceu algo aqui? - Sua pergunta não é para mim, mas para a garota logo atrás. 

- Eu não sei, ele parecia apavorado, e me pediu para correr até ele, eu não entendi. - Consigo sentir a tenção na voz dela, mas tudo que faço é olhar fixamente para o lugar por onde aquela criatura entrou em Victor.  

Puxo o ar com força, e fecho os olhos. A tremedeira diminuiu, mas toda a cena ainda se repete em minha cabeça. 

- Bem, vamos pra cozinha. Sentar e tomar uma água vai te ajudar, vamos. - Ele diz, Rafaela passa por nos, e antes que Victor vá, seguro seu braço e o encaro. 

- Você está bem? - Seus olhos me analisam. 

- Estou sim cara, senti uma tontura agora pouco, mas deve ser por não ter comido nada depois do almoço, relaxa. - Ele sorri. 

Concordo com a cabeça e então sigo para a cozinha. 

O banco de madeira range quando me apoio, e meus braços encostando na fria mesa ajudam meus pensamentos a se organizarem. Ambos os meus colegas estão sentados a minha frente, e um copo de água com uma jarra está perto de mim. 

Mais uma vez, puxo o ar fortemente para dentro, e pego o copo, bebendo em uma só vez todo o líquido nele.   

- Então, eu estava pensando em sair para beber hoje, faz tempo que não curtimos nada e o Arthur está precisando. - A voz de Victor parece soar alta na cozinha quieta. Rafaela mantem os olhos afastados da mesa e eu aperto o copo com os dedos. 

Escuto um suspiro, e volto minha atenção para a conversa. 

- Acho que seria uma boa. Podemos comer algo e esquecer o que aconteceu. - Ela diz e seus olhos param em mim, vejo tristeza neles. 

Preciso mudar a situação antes que sua tristeza cause mais problemas.” 

Mais uma vez, respiro com força. Fecho os olhos, e abro o melhor sorriso na direção dos dois. 

- Eu adoraria beber algo. 

Recebo outros sorrisos em resposta, e meu amigo então se levanta. 

- É isso aí! Vamos curtir então! - Seu entusiasmo joga meus pensamentos para longe, e vejo os olhos de Rafaela mudarem, e me olharem com carinho. 

Apenas me levanto também e sorrio. 

. 

. 

.  

O bar que escolhemos estava meio cheio naquela noite. Por sorte, avia apenas um andarilho que seguia um dos bartenders no lugar. Nos sentamos em uma mesa perto das janelas, a noite era de lua cheia, e está um pouco fria, mas agradável de se aproveitar.  

Victor conta alguma história absurda a Rafaela, e a vejo rir sem preocupação. A distração dos dois me anima ao saber que a situação de mais cedo não os afetou. Cruzo as mãos sobre a mesa e os observo conversar. 

- Ele flertava com ela na cara dura! - Sua fala chega aos meus ouvidos, mesmo que o som alto do lugar dificultasse entender todo o contexto. 

- Sério? Achei que tinha falado que ele namorava. - Rafaela responde, e me vejo prestando mais atenção a o que estão conversando. 

- Ele namorava mesmo, ao menos ela não parecia corresponder. - Victor se vira para mim, e sorri. - Né Arthur?  

Pisco um pouco desnorteado e vejo os dois me olhando. 

- Do que estão falando?  

- De um rolo que teve na faculdade. - Victor fala, e Rafaela me olha como se eu fosse acrescentar algo. 

Antes que pudesse responder, o atendente se aproxima de nós, percebo imediatamente que é o que possui o andarilho o seguindo, ele sorri e levanta a caderneta em suas mãos.  

- O que vão querer?  

Olho para o cardápio na mesa, mas de repente, o som violento de uma cadeira caindo puxa minha atenção. 

Victor está no chão, assustado, posso ver seus braços tremerem e seus olhos fixos em algo. Franzo o cenho sem entender a situação, volto meu olhar para o homem que ainda espera nosso pedido, e agora também se encontra confuso, e novamente avisto a sombra em suas costas. 

Arregalo os olhos, e me viro para meu colega no chão, que toma a partida primeiro que eu. 

- Mas que porra é essa nas suas costas?! - Sua fala confirma minhas suspeitas, e me levanto de supetão, me inclinando sobre a mesa. 

O atendente se aproxima, mas Victor rapidamente se ajeita, e se afasta ainda mais da messa.  

- O senhor está bem? - Sua fala é interrompida, e os gritos de meu amigo atraem todos os olhos do local.  

- Se afasta! Não se aproxime! Caralho, que porra é essa aí? Tem um demônio te seguindo! - Todo o caos que ele faz, deixa os clientes confusos, e mais alguns atendentes se aproximas. 

Todos olham para os lados confusos. Caminho então em sua direção, e seguro seu pulso. 

- Vamos embora daqui. - Sussurro para ele e tento puxa-lo, mas ele continua parado assustado.  

Vejo Rafaela se levantar e se afastar da mesa, a nuvem negra se formar em seus pés. 

- Cara, você não está vendo isso? - Ele aponta para o atendente desacreditado, começo a sentir a raiva tomando conta de mim, e respiro.  

- Cale a porra da boca, e vamos sair daqui. - O puxo com mais força dessa vez, o forçando a andar. Rafaela caminha conosco com a cabeça abaixada e as mãos juntas na frente do corpo.  

Todos nos deixam passar sem perguntas, mas um burburinho se faz presente no local, e as conversas diminuem quanto mais nos aproximamos da saída. 

Quando nós chegamos à esquina, largo seu braço, e me viro de costas, passando a mão pelos cabelos, e respirando fundo.  

- Cara que merda foi aquela? Você viu aquela coisa não viu? Porra foi bizarro pra cacete. Rafaela, viu aquilo também? - Me viro para eles. A garota olha assustada para meu amigo, e sem mais paciência, seguro seu rosto com a mão, apertando suas bochechas com os dedos, e trago até fica frente a mim. 

- Eu mandei calar a porra da sua boca seu filho da puta. Então se não quiser ver mais dessas coisas em um lugar muito pior, é melhor me obedecer. - Solto seu rosto. Ele dá alguns passos para trás, e eu abaixo a cabeça, sabendo o que está prestes a acontecer.  

- O que deu em você seu... - Sua fala vai sumindo aos poucos, quando percebe a nuvem negra me cobrindo, apenas fechos os olhos, e espero o andarilho se afastar. Solto o ar pela boca, e o encaro. 

Seu olhar assustado não está em mim, e sua raiva parece ter passado e se transformado em um medo que agora toma conta de seu corpo.  

Me aproximo de Rafaela que se manteve em silencio desde que paramos, e não a toco. 

Sua respiração baixa me deixa nervoso em preocupação.  

- Rafa, eu acho que... - Dessa vez, ela me interrompe, levantando a cabeça e sorrindo levemente. 

- Eu vou ir para a minha casa, espero que fiquem bem, os dois... Até mais meninos. - E sem esperar a minha resposta, ou de Victor, ela se afasta, nos deixando parados no mesmo lugar.  

Suspiro cansado, e decepcionado com o que aconteceu.  

Me viro para o colega ao meu lado, como se o próprio diabo estivesse no meu ombro.  

Andarilhos são feios, mas não são o diabo, eu acho.” 

- Cara, você sabe o que... - Não o deixo falar, não agora, não até eu estar na minha casa e poder resolver e entender tudo com calma. 

- Vamos para a minha casa. - Digo apenas, e sigo em direção ao apartamento que não fica tão distante.  

A noite se tornou mais fria, fazendo com que meu corpo se arrepie com o vento gelado. Victor me segue distante e em silencio, como se tivesse medo de se aproximar, e aquilo pudesse fazer algo a ele.  

Chegamos na portaria, e quando caminho em direção as escadas, percebo que ele não me acompanha mais.  

- Por que parou? - Meu amigo me olha parado no hall de entrada, com os olhos ainda fixos naquilo que me segue. Sinto minha cabeça latejar, e pisco os olhos. 

- Não quero subir e ficar em cubículo com essa merda aí.  

Travo minha mandíbula, e posso sentir meus dentes doerem pela pressão que faço para me acalmar e não gritar. Fecho os olhos e dito com uma falsa calma. 

- Você tem duas opções, ou vem, ou vou mandar essa coisa te acompanhar particularmente até o inferno.   

Ele engole em seco e volta a me seguir.  

Já dentro de casa, caminho até minha cama, e sento. Apoiando os braços no joelho, e deixo minha cabeça relaxar entre as mãos. 

O silencio toma o lugar. Victor está parado a minha frente e sei que está tão confuso quanto eu, mesmo que por motivos diferentes.  

Ele vê agora, também enxerga os andarilhos. Mas isso é pela criatura que entrou nele? Ela deu a ele a visão desse mundo? Significa que ele também irá para aquele deserto? Terá as mesmas reações que eu?” 

Esfrego o rosto, e viro meus olhos para ele.  

- Victor.  

Seu silencio permanece, e seus olhos não saem do fantasma ao meu lado. 

- O que você vê? 

Ainda em silencio ele engole em seco, abaixa a cabeça e passa a mão pelos cabelos.  

- Cara, é bizarro.  

- Eu sei porra, me descreva de forma detalhada o que você vê. - Digo sem paciência para mais nada.  

Ele concorda com a cabeça e pela primeira vez, seus olhos viram para os meus. 

- É enorme, deve ter uns dois metros. Parece uma sombra preta gigante, ela... só olha para você e te segue, deve ficar a um metro de distância mais os menos. Não tem braços, ou mãos, só flutua mesmo. Eu a vi te cobrindo, ela saiu de você, o atendente, também tinha uma. - Durante sua descrição, sua visão revessa entre mim, e o andarilho.  

Me levanto e seguro seu braço, o puxando até ficar próximo daquilo, quando ele percebe o que estou fazendo, começa a de debater contra, e se afastar.  

- Arthur! Porra, o que está fazendo? - Prenso mais o aperto, e o forço contra a sombra, que não se mexe, apenas me observa ignorante ao que fazemos.  

Sua respiração é rápida, e ele não reage quando seu braço atravessa a nuvem negra sem dano algum. Viro meu rosto para ele, que observa o local. 

Solto então seu pulso, e levanto o meu, dando um soco no ar que atravessa o que seria o rosto do andarilho, sem causar nenhum tipo de reação. Balanço a mão também, e mais uma vez, nada acontece. Me afasto novamente e sento na cama.  

- Nada acontece, eles não fazem nada conosco. 

Ele se afasta, me olhando. 

- Como, você sabia? - Sua voz é baixa e cautelosa, como se o medo agora fosse direcionado a mim.  

Suspiro passando a mão pela nuca, estalo o pescoço e volto a olha-lo ainda em pé. 

- Se chamam Andarilhos, ou ao menos, eu os chamo assim. - Seus olhos não desviam do meu, captando tudo que digo. - Eles surgem de sentimentos ruins. O que você viu no bar, provavelmente surgiu de algo que o atendente sentiu. 

- Eles podem ver também? - Sua pergunta é rápida. 

- Não, não podem. - Lanço um leve sorriso em sua direção. - Até onde eu sei, você a primeira pessoa que conheço que pode vê-los.  

Seus olhos agora estão perdidos, ele leva as mãos até a cabeça, e balança como se pudesse tirar os pensamentos como espanta moscas.  

- Cara, isso não faz sentido, eu nunca tinha visto nada assim, e agora você me diz que existem criaturas bizarras que surgem das pessoas e as seguem por aí? - Seu olhar é tenso, e me sinto culpado por isso, de certa forma, ele estar passando por essa situação é minha culpa.  

Cruzo os braços, e inclino a cabeça para o lado. 

- Senta aí, ver você em pé está me incomodando.  

Ele ri da minha fala. 

- Eu estou pouco me fodendo pra o que te incomoda. Não tínhamos que falar com algum padre ou algo assim? Porra irmão, isso deve ser alguma possessão demoníaca. - Sua fala é acida, e decido ignorar sua raiva. Afinal ele tem todo direito de estar assim. 

- Eu sei que é estranho tá bom? Eu vivo com essas merdas dês dos meus cinco anos, eu era a porra de uma criança quando fui internado em uma clínica psiquiatria por dizer que via criaturas sombrias saindo das pessoas. - Respiro fundo, e fecho os olhos. Desteto falar sobre o passado, mas preciso que ele entenda que se desesperar não vai ajudar em nada. - E eu já fui exorcizado, já me drogaram de remédios, até me excluíram de qualquer contato com pessoas. Em casa meus pais me olhavam como se eu tivesse a merda de um demônio na cabeça, e nunca tentaram entender nada. Eu tive que fingir a minha vida toda que aquelas coisas não existiam, que eu não via quando uma nevoa preta cobria qualquer um com um sentimento ruim, e de repente avia um fantasma bizarro o encarando.  

Victor me observa com pena, e decido não devolver o olhar.  

- Eu não sabia que...- Tomo sua fala antes que continue. 

- É óbvio que não sabia. Nunca contei a ninguém, não tinha por que fazer, eu já tinha problemas demais para que preocupar com as pessoas me chamando de maluco ou retardado. Ao longo do tempo fui me acostumando, eu sabia que lidar com aquelas coisas, descobri detalhes sobre elas e me adaptei a vida que fui obrigado a ter. - Jogo meu corpo para trás na cama, cansado de pensar, e falar. Meu cérebro clamava por descanso.  

Ainda deitado ouço um suspirar de Victor e um movimento pelo quarto.  

- Eu vou dormir aqui, não estou com pique pra ir trabalhar de qualquer jeito e se eu ficar sozinho com uma dessas coisas acho que vou acabar em um hospício.  

Abro os olhos e viro a cabeça em sua direção, o olhando com a sobrancelhas arqueadas. Ele para o que está fazendo e vira para mim com um sorriso sem graça. 

- Sem querer ofender é claro.  

Não consigo aguentar a risada, e gargalho com seu comentário, ele me acompanha rindo. 

Volto a me sentar na cama, e agora entendo o motivo de sua movimentação. Victor pegou um dos meus cobertores guardados, roubou meu travesseiro e está arrumando o chão para dormir.  

Suspiro e então me levanto caminhando em direção ao banheiro, tomo um banho rápido, cubro a cintura e paro em frente ao espelho, passando a mão pelo vidro para limpar a camada de vapor. 

Meus cabelos parecem mais escuros molhados, e algumas gotas caem sobre meu rosto. Minha pele pálida contrasta com o curto cabelo que tenho, e meus olhos azuis dão um tom fantasmagórico a minha imagem, passo os dedos pela tatuagem no meu pescoço. Abaixo a cabeça e fecho os olhos, respirando e processando os acontecimentos dos últimos dias.  

O que eu devo fazer agora? E se mais daquelas coisas surgirem? E como ela surgiu? Eu nunca vi nenhuma delas por aí, ou se quer sei se as pessoas que as fazem. Ela parecia mais consciente que um andarilho, se movimentava, e reagia com a voz dos outros, sem contar que entrou em meu amigo, e gora ele vê também. Porra Victor agora também vê, e eu não deveria, mas me reconforta saber que não sou mais o único nisso, pela primeira vez eu não me sinto sozinho.” 

Sou tirado dos meus pensamentos quando escuto batidas na porta. 

- Morreu aí? - A voz de Victor sai abafada, e sorrio.  

Olho para minhas costas vendo o andarilho ainda me encarando. 

- Me deixe dormir hoje, eu estou precisando. - Digo em sua direção, sabendo que não terei qualquer reação de volta.  

Abro a porta, e Victor me olha, a uma toalha e roupas que também roubou do meu armário. 

- É a primeira vez que dorme aqui, e já está pegando tudo meu? - Passo por ele, e o vejo entrar no banheiro. 

- Me dê um tempo, eu estou passando por um momento difícil.  - Ele põe a mão sobre o coração, e fecha os olhos. 

Sorrio em sua direção e mostro o dedo do meio.  

- Se a princesa demorar no meu banheiro vai dormir na rua. 

Sem me responder ele apenas fecha a porta e me viro para terminar de me arrumar. Ponho uma blusa preta, e uma calça qualquer, deitando na cama e fechando os olhos, sentindo o conforto tomar meus músculos, e o sono pesar na minha mente.   

Não percebo quando tudo me engole e eu durmo. 

. 

. 

. 

A pressão sobre meu peito volta a aparecer, abro os olhos e levanto rápido. 

Vazio, olho ao redor. O deserto mais uma vez me consome, dessa vez, a dor não surge, viro o rosto, e não encontro qualquer coisa. 

Vejo minhas mãos e o anel ainda está lá. 

A agonia de não respirar me toma, e tento manter o máximo de controle possível. Forço meus pés a se apoiarem e levanto. Olho para meu corpo, as roupas que pus antes de dormir sumirem e foram substituídas por uma calça preta estilo militar, e uma blusa que imita uma segunda pele, também da cor escura. 

Dou alguns passos, confuso com aquilo.  

Eu voltei, realmente voltei, mas por que? E onde estão aquelas pessoas?” 

Caminho sem rumo e analiso o local ao meu redor. Realmente lembra um deserto durante a madrugada, mas não a lua, estrelas, ou nuvens no céu. 

- Isso é a terra? Eu estou mesmo em um deserto? 

Solto as palavras baixo para mim mesmo. Ando lentamente, procurando algo naquela vastidão.  

Ao longe, vejo uma luz brilhar, e o que parece um Jeep ao lado. Vou em direção, e vejo alguns movimentos. 

Pessoas... A alguém lá!” 

- Ei! Aqui! - Grito, sem saber muito o que fazer, enquanto caminho em direção a eles. 

Balanço meus braços para que me vejam. A luz é apontada em minha direção, e fecho os olhos rapidamente, cobrindo o rosto pela claridade, e antes que pudesse reagir escuto o ronco do veículo ligar, e observo ele vindo em minha direção. 

Sorri, mas percebo que ele não para de acelerar. 

Caminho para trás, e começo a correr quando vejo que chega a alguns metros de mim. Meus pés tropeção e caio no chão, arranhando os braços entre as pedras, escuto os pneus do Jeep e fecho os olhos esperando o baque, mas, apenas sinto algumas pedrinhas baterem contra meu corpo, quando o carro para ao meu lado com uma freada. 

Abro os olhos lentamente, o silencio volta a pairar quando o motor é desligado. A porta se abre bruscamente, e vejo quando alguém pula do banco em direção ao chão. 

Ainda caído, olho a cena. A pessoa fecha a porta e reconheço sua barba, o cabelo comprido preso, e o sorriso amigável.  

Ele se aproxima de mim, e se agacha ao meu lado, me analisando.  

- Baita tombo né garoto. - Ele sorri, sua voz chega em meus ouvis e mais uma vez a memória retorna ao meu cérebro. 

- Shinnayder...- A palavra sai baixa pela minha boca, incerto se minha lembrança estava correta ou não.  

O ouço gargalhar, e estender a mão para me ajudar a levantar.  

- Eu mesmo rapaz. - O seguro, e com um puxão bruto, sou colocado em pé. 

O encaro confuso, olho para o dentro do Jeep e vejo a mesma garota da outra vez, ela segura o volante com os braços esticados, e nos observa de canto de olho. 

- Sarah, olha o que a cegonha nos trouxe de novo. - Ele vira o rosto para a garota, que ainda tem metade da face coberta por um pano.  

Ela então solta umas das mãos do volante, e leva até o rosto, afastando a máscara.  

Observo seu rosto fino se virar para nós, e um sorriso perverso tomar conta de seus lábios.  

- Bem-vindo ao inferno pirralho. - Sua voz faz meu corpo se arrepiar, e engulo em seco. 

Quero voltar para minha cama.” 

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