Babys.

Pesadelo (Capítulo 5)

 Pesadelo 

Capitulo 5 

Não sei qual o nível da dor que estava sentindo, e nem o quanto de pressão estava fazendo para respirar, mas é notável que meu cérebro parecer ter entrado em colapso com o mutirão de informações que estava recebendo, e em poucos minutos depois de ver aquele perseguidor no canto do quarto, minha visão escurece, e então desmaio.  

Todas essas situações, todo esse caos dos últimos dias, eu não sei porque vem acontecendo. Vivi muito bem até agora, e de repente, tudo desmorona. Isso me lembra uma conversa que tive com uma psicóloga quando tinha apenas 12 anos.  

‘ - Como está se sentindo Arthur?  

Eu não queria olhar pra ela, não queria estar aqui. Odiava meus pais por me obrigarem a frequentar esse lugar, odiava as cortinas brancas, a mesa marrom no centro da sala, os posters nas paredes com frases motivacionais. Odiava tudo isso. 

- Arthur, quer conversar? - Ela tentou de novo. Não era a primeira vez que eu tinha uma sessão com ela, na verdade, ela era a terceira psicóloga que eu ia durante a semana, as sessões aqui aconteciam somente as sextas. 

Ouço ela suspirar e se levantar, pela primeira vez, sigo seu andar até uma estante de livros, tirar um de lá, e voltar em minha direção, rapidamente viro a cabeça para o lado. 

Ela senta novamente na poltrona, e mostra o livro para mim. 

- Poderia olhar para mim só um pouquinho? - Não me mexo. - Ok. O livro que peguei se chama “A Teoria do Caos”, já ouviu falar?  

Continuo em silencio. 

- Bem, é uma teoria muito interessante. Diz que um simples bater de assas aqui, pode provar um tornado no Japão. 

Dessa vez, eu a olho. 

- Isso é impossível. - A doutora então sorri pra mim.  

- A teoria afirma, que pequenos atos podem levar a grandes feitos. Normalmente ela é usada como uma teoria sem sentido, pois você nunca sabe que atitude sua vai ser responsável pelas grandes consequências. Ela deixa tudo imprevisível. 

Eu a encarava, sem saber o que falar, sem entender por que estava me explicando aquilo.   

- O que quero dizer é, Arthur, tem coisas na vida que vão acontecer, e você não saberá o porquê, e muitas você nem se quer irá conseguir controlar, ou prever as consequências de suas atitudes. Independente da situação, saiba que até mesmo o caos tem um fim, pode doer, pode machucar, e pode até mesmo te deixar no chão, mas vai acabar, de uma forma ruim ou boa, vai acabar.” 

“Caos” Eu detesto essa palavra. Minha vida nunca foi exatamente pacifica, viver enxergando algo que os outros não veem, te faz sentir um peso avassalador.  

Na infância, não costumava ter amigos, porque vez ou outra eu falava sobre os andarilhos, e isso assustava as outras crianças, ou adolescentes me zoavam, e os adultos me julgavam. Era difícil me adaptar, era difícil estar em qualquer lugar.  

Em nenhum momento eu tive vontade de acabar com tudo, de tirar a própria vida, muito pelo contrário, se acostumar com aquilo não foi tão difícil, e a vida nunca foi tão ruim a esse ponto. Mas avia dias, aqueles dias que te destroem, dias em que o mundo parece te odiar, nesses dias, eu desejava a morta. Momentos em que tudo parava, e me sentia cercado por aquelas criaturas, assombrado, que eu questionava todos os Deuses e criaturas divinas do porque eu havia nascido daquele jeito, se não teria outra pessoa, se não pudesse somente tirar aquelas visões de mim.  

Eu chorava, e implorava somente por um pouco de paz.  

. 

. 

. 

Eu respirava naturalmente. Avia uma pequena pressão no meu peito, mas nada realmente incomodo. Meus olhos estavam fechados, e eu queria poder permanecer assim para sempre, tudo estava silencioso, eu não sentia nenhuma dor, estava tudo tão tranquilo. 

Sinto as lagrimas quentes descerem pelo meu rosto, minha garganta doendo. Soluços escapam da minha boca, e o choro se torna mais violento.   

De repente me veio há mente, nos primeiros dias no restaurante, quando conversamos pela primeira vez.  

- Ei novato, relaxa, todo mundo erra. - Victor sorriu pra mim, e veio-me ajudar a catar o resto dos copos do chão. 

- Que merda, e se eu for demitido? Eu preciso desse emprego.  

Ele põe o resto sobre a bandeja, e se levanta. 

- Eu gostei de você, não vou deixa te demitirem. - Eu sabia que ele não era da chefia, sabia que era só mais um atendente, mas, aquela foi a primeira vez que alguém realmente se importou comigo.  

Senti meus olhos arderem levemente, e limpei com a manga das blusas, sorrindo pra ele.  

- Você está chorando?  

- Não estou...- Digo sem o olhar. - Obrigado por me ajudar.  

Me levanto e ele passa o braço pelo meu ombro. 

- Conta comigo. - Seu sorriso de abre, e sinto vontade de chorar novamente.” 

Por que ele? Por que o meu amigo?  

- Porra! - O grito sai pela minha garganta, e as lagrimas não param de escorrer.  

Cubro os olhos fechados com o ante braço, nunca avia chorado tanto na minha vida. Nem quando vi aquelas coisas pela primeira vez, nem quando passei por todas as situações na infância, mas aquele era meu amigo, meu único amigo.  

Abro os olhos, e já sei onde estou, me ajoelho no chão e bato contra a terra que me carca. 

- Me mata! Por favor me mata! Caralho, o que eu fiz pra isso? - Os gritos saem da minha boca, e meus olhos ardem mais, a dor em mim não é física. - Eu não aguento mais, me mata, só me mata por favor... 

Meus gritos diminuem, e só me resta chorar, as lagrimas não param, e não sei se consigo fazer mais que apenas isso.  

Escuto passos pararem ao meu lado, e viro a cabeça. Subo o olhar, até ver a face de Sarah, seus olhos em mim. 

Ignoro sua presença, e volto a cabeça contra o chão. 

- Vá embora. - São as únicas palavras que saem da minha boca.  

Não a escuto se mexer. 

- Porra vá embora! - Sento sobre os joelhos e olho para ela, que não se move. 

- Eu não sigo ordens suas.  

Sinto mais lagrimas escorrerem, uma mistura de raiva com tristeza.  

- Então eu vou. - Me levanto, forçando meu corpo se mover, minha respiração ritmada. Então, paraliso. 

Ponho a mão sobre o peito, sentindo meu coração bater, sentindo o ar entrar para meus pulmões. Olho ao redor, apenas para confirmar que estava no lugar certo, e sim, eu estava. Valum, eu estava no Valum, e estava respirando.  

Olho para trás onde deixei Sarah, ela ainda não se moveu, continua parada apenas me encarando. Seguro minha camisa com minhas mãos, sentindo meu coração acelerar as batidas. 

Deixo meu corpo ceder, e caio de joelho, voltando a chorar, dessa vez, sem poupar soluços, gritos, ou qualquer som, apenas choro, como uma criança chora quando está machucada, ou como um recém-nascido chora quando quer comer. Sinto os braços da garota então rodearem minha cabeça contra sua barriga, ela não respira, o coração dela não bate, isso faz meu choro se aprofundar. 

Depois de um tempo, eu havia deitado minha cabeça sobre as pernas dela, e ainda soluçava vez ou outra. Quando uma lagrima escorria, podia sentir ela limpando com o polegar, e o cafune que fazia em meu cabelo era bom.  

Nenhum de nós avia falado nada, mas todo aquele silencio estava sendo tortuoso.  

- Eles mataram meu melhor amigo. - Minha boca estava seca, e as palavras sairam com mais dificuldade do que achei. 

Sarah permaneceu calada, com os olhos em meus cabelos, eu encarava o céu infinito. 

- Ele não tinha nada com esse mundo, ele nunca tinha visto essas criaturas, estava tão assustado quanto eu. - Enquanto eu falava, as lágrimas voltavam a escorrer, e minha garganta foi fechando. - É culpa minha, a morte dele é culpa minha, se eu não o tivesse chamado para minha casa, se eu não tivesse mandado aquela mensagem, se eu não tivesse encarado aquele andarilho maldito.  

Já não seguro mais o choro, as lágrimas não cessam, e meu peito dói mais. 

- Não é culpa sua, você não sabia que isso iria acontecer. - Escuto sua voz. 

Cubro meus olhos novamente com os braços.  

- Eu deveria ter previsto, eu deveria saber que algo ruim iria acontecer. Porra, era meu melhor amigo, meu único amigo!  

Ela volta ao silencio, não tenho mais forças para chorar. 

- Sabe, aqui não dá pra medir o tempo, ou saber a quanto tempo você está aqui. Mas, os seres humanos tem um sensor natural, nós conseguimos palpitar, mesmo que de maneira leve, quanto tempo estamos parados ou presos em um lugar, mesmo que não haja nada que indique isso, a mente humana consegue estimar um tempo. - Ouço sua fala, e a encaro. Seus olhos não estavam em mim quando falava, parecia distante. 

Nós dois ficamos em silêncio, até sua atenção se fixar em mim, e um pequeno sorriso surgir no canto de sua boca.  

- Já faz anos que estou aqui Arthur.  

Meu corpo se choca e eu me sento, ficando a sua frente. 

- O que?  

- Você lembra? Aqui é para ser eterno, esse lugar não foi feito para ser visitado. - Sua fala me assustava, ela sorri, mas já não olha mais para mim.  

- Mas... eu sai. - Não entendia aquilo. 

“Ela nunca conseguiu sair? Por isso Shinnayder teve aquela reação quando mencionei sobre saída? Ele também nunca saiu?” 

Sarah mexia nas unhas e sorria. 

- É você saiu, e voltou, e saio de novo, e voltou... 

Seus olhos agora em mim eram tristes, sem esperança. 

Pude ver uma lágrima correr pela sua bochecha, e ela se apurar a limpar, virando o roto. 

- Eu não sei por que você consegue fazer isso, porquê só você. - Ela limpa novamente o rosto. - Mas o que importa é, você pode sair, significa que ainda pode fazer alguma coisa.  

Meus pensamentos vagueiam no que fazer, em como resolver toda essa situação, em como tirar essas pessoas daqui, em como tirar Sarah daqui. Continuo a olhando enquanto ela permanece em silencio. 

- Sarah. 

- O que? 

- Onde está Shinnayder? - Sua resposta demora a sair, sua boca se abre e fecha em alguns momentos, sem som algum. Ela abaixa a cabeça, e só consigo ouvir sua voz. 

- Os perseguidores... consumiram ele... 

Não tenho uma reação, não sei de forma literal o que seria “consumiram”, e ela parece perceber meu silencio, pois levanta a cabeça e me observa.   

- Toda vez que você sai, perseguidores aparecem no local, e em todas as vezes, você estava conosco. Dá última vez, eu avia ferido o Shinnayder. Não sei o porquê, mas, eles desintegraram seu corpo, e eu não pude fazer nada para impedir.   

Encaro as pedras abaixo de mim, a poeira, tudo parece tão real. 

- Não faz tanto tempo desdá última vez que vim, quando acordei, eram três da tarde, e deve ter passado só alguns minutos quando voltei. 

Sarah balança a cabeça, e seu sorriso diminui. 

- Você não entendeu... - Sua fala me deixa confuso. 

- O que quer dizer? Faz poucos – Sou interrompido quando ela se põe de pé a minha frente. 

- Arthur, eu mal lembrava seu rosto desdá última vez que veio aqui. 

Sua fala me assusta, e passo a mão pelos cabelos. Quando meus olhos focam na minha mão direita, a um anel no meu dedo anelar, o mesmo anel da primeira vez eu vim aqui, é coberto por um tom marrom. 

- Por que colocaram esse anel em mim quando me encontraram? 

Ela olha para meu dedo também. 

- Isso foi coisa do Shinnayder, ele fez esse anel das pedras que tem aqui, não sei como, mas fez. E magicamente, descobriu que o anel tirava as primeiras sensações de mal estar quando alguém vem aqui pela primeira vez.  

Concordo levemente, e me levanto. 

- Todas as vezes que eu sai, você notou algo, o que era? 

- Seu anel, toda vez que você está prestes a sair, ele toma um tom escuro. 

Observo a peça em meu dedo. Não uma luz que faça o objeto reluzir. 

- Isso já avia acontecido com Shinnayder antes?  

Ela balança a cabeça em negação. 

- Não que ele tenha me falado, pelo que eu saiba, ele também nunca saiu daqui. 

Mais uma vez, observo o local ao meu redor e como todas as vezes que faço isso, me surpreendo com a imensidão do lugar. É assustador como esse lugar parece realmente não ter um fim.  

- Sarah, quantos anos tinha quando veio para cá? 

- Vinte e cinco se bem me lembro. - Me aproximo a alguns passos dela, segurando sua mão. 

- Shinnayder tinha essa idade também? - Ela apenas concorda com a cabeça. 

- Bem, então se eu estiver certo, toda pessoa que vê esse mundo, é levada para o Valum com vinte cinco anos. Eu irei fazer vinte e seis dia vinte e cinco de maio, faltam oito dias para isso acontecer, e até então, sou o único que conseguiu sair e voltar para cá, além de estar respirando agora. - Levo sua mão até contra em meu peito, sentindo meu coração bater. - Eu prometo, que farei de tudo para te tirar daqui, e acabar com tudo isso. 

Ela ri alta, e sinto meu rosto esquentar. 

- Você é o Superman?  

Solto sua mão, e me viro de costas. 

- Você tinha que estragar o momento? - Mesmo com meu rosto quente, solto um riso com a situação. 

Vejo o anel escurecer no meu dedo, e retorno meus olhos para ela. 

- Não esqueça de mim. 

Sarah não reage, sinto meu corpo pesar, e minha visão apagar não sentindo mais nada. 

. 

. 

. 

Meu corpo suava, e o local parecia mais quente que o normal. Avia um cheiro estranho no ar, e minha respiração era pesada.   

Abro os olhos, sentindo minha visão embasada no início, e vejo o teto do meu quarto. Está escuro, não a luzes pelo local, e minha visão ainda não se adaptou. 

Ponho a mão sobre a cabeça e levanto, me sentindo zonzo. Meu olhar se volta para a porta do banheiro aberta a minha frente, me levanto devagar, e acendo as luzes, há apenas uma mancha escura presa ao azulejo do local. A vontade de chorar me atinge novamente, mas contenho as lágrimas. 

Me aproximo do local, passando a mão levemente por cima, não a mais vestígios de nada que aconteceu aqui. 

Uma lágrima corre pela minha bochecha e a limpo com a mão. 

Volto para o quarto, e arruma uma mochila, colocando somente o necessário nela. Assim que a fecho, meus movimentos param, e eu sento na cama.  

O que exatamente eu vou fazer? Eu não sei como derrotar essas coisas, não sei o que elas realmente podem fazer, não sei para onde ir, com quem falar, tudo está tão confuso.” 

Pego meu celular na aba de pesquisas, e digito o nome que lembro sobre a tribo, encontrando dois sites, um com apenas um artigo sem muita importância, e outro, é um fórum do Raddit. Clico na pergunta, e leio os comentários. 

 

Alguém sabe algo deles? 

*Foto anexada* 

Usuário 1: Essa é a tribo do ponto Nemo! 

Usuário 2: Eles são assustadores. 

Usuário 3: Já ouvi histórias que comem gente vida! 

Usuário 4: Vamos lá visitar!” 

 

Rolo a tela, vendo perguntas, e algumas especulações sem nexos, até parar em uma linha interessante.  

 

Já ouviram falar dos ‘Boreãs’? 

Usuário 1: Está falando das sombras prestas? 

Usuário 2: É o demônio! 

Usuário 3: Eu já vi, eles são assustadores. 

Usuário 4: Eles saem das pessoas, o que será que são? 

Usuário 5: Como se livra deles? 

 

Continuo rolando a página, até uma das perguntas me chamar atenção.  

 

Algum de vocês já foi para o Valum?” 

 

Aquela publicação era uma das mais antigas, fazia dois anos que ela avia sido postada. Entrei no perfil do usuário e a conta estava desativada. No próprio Reddit pesquiso o nome “Valum”, e algumas opção aparecem, posso por várias delas, até o mesmo usuário com a penas um numero a mais no nome aparecer, fazendo oura pergunta.  

 

Alguém já conseguiu sair do Valum? 

 

Entro no perfil da vez, e a conta ainda está ativa. Sem hesitar envio uma mensagem, falando sobre o Valum, e perguntando o que ele sabe. A única mensagem que recebo é um endereço com um horário, e uma mensagem abaixo dizendo: 

Venha entre as 23:30 e 02:30.” 

Verifico o relógio, e vejo que faltam dez minutos para as dez. Suspiro, e volto arrumar minha mochila, colocando mais alguns itens dentro dela, sigo para a cozinha, e preparo algo para comer, enquanto leio mais algumas respostas e perguntas das pessoas no aplicativo. Antes que pudesse clicar em outra pergunta, a notificação de ligação aparece, e o nome de Rafaela acende na tela, aceito a ligação. 

- Oi. - Digo e continuo comendo. 

- Arthur, você sabe onde Victor está? Liguei e mandei várias mensagens para ele o dia todo, e ele não me respondeu. - Sua voz é calma, e posso ouvir ela mexendo em algo do outro lado da linha.  

Aperto o telefone nas mãos, e deixo minha comida no prato, sem saber exatamente o que falar. Tomo um pouco de água para limpar a garganta. 

- Arthur, está aí? 

- Sim, estou sim. - Digo as presas, quando sua voz me tira da enxurrada de pensamentos. 

- Sabe onde Victor está? - Ela faz sua pergunta novamente, e sinto meus olhos arderem, e minha garganta fechar.  

- Rafaela, ele... - Paro minhas palavras, o que eu diria? “Ele morreu porque um perseguidor entrou nele, e o carbonizou no meu banheiro.” - Eu não sei... 

Minha voz falha, e sei que não fui convincente o suficiente, pois ela fica em silencio por mais alguns segundos.  

- Ele está com você ontem não estava? Depois que sai, vocês se separaram? - Ela sabe que estou mentindo, os furos nas minhas palavras são explícitos, mas não tenho outra opção a não se permanecer nisso.  

Olho para a comida em meu prato, e sinto a fome deixando meu corpo. 

- Sim, ele veio para a minha casa, conversamos, e ele foi embora, não sei onde está, não falei com ele hoje. - Faço o máximo para parecer firme. Mesmo que eu queira chorar, e contar tudo que aconteceu, ela não acreditaria em mim, e talvez, a polícia batesse na minha porta.  

- Sério? Bem, ele não foi trabalhar, e não é de faltar. A chefe já está bem irritada que você não respondeu ela mesmo estando de alta, e agora o Victor não vem, ela está cuspindo fogo. - Ela solta uma leve risada, e não consigo acompanha-la, sinto as lágrimas voltarem a descer, e minha garganta de aperta mais. 

- Eu queria pedir desculpas por ontem também. Eu só achei aquilo tudo muito estranho, e não sabia o que fazer. - Sua voz sai mais baixa agora. 

Deixo um soluço escapar, e afasto o celular dá orelha. 

- Arthur? Está chorando? Você está bem? Quer que eu vá aí? - Engulo com dificuldade, e recoloco o aparelho na orelha.  

- Está tudo bem Rafa, vou tentar mandar mais algumas mensagens para Victor mais tarde, as vezes ele pode só ter chegado em casa e dormido demais, aí ficou com vergonha de responder. - Respiro fundo, e sei que minha voz sai mais chorosa dessa vez. Ela não diz nada, e seu silencio aumenta minha angustia.  

- Tudo bem Arthur. Eu não sei pelo que você está passando, mas saiba que pode contar comigo ok? - Deixo mais um soluço sair, e não contenho mais as lágrimas. 

- Obrigado... - Digo baixinho, e sem esperar uma resposta, desligo a chamada, pondo a cabeça sobre o balcão e chorando.  

. 

. 

. 

Talvez fosse perigoso, e completamente insensato ir a um endereço que recebi de uma pessoa pelo Reddit, mas àquela altura das coisas, se eu morresse seria mais um lucro do que uma perda.  

Me aproximo da porta escura, e vejo a casa ao meu redor. É grande, a duas janelas nas paredes de cada lado, e sua cor é um marrom claro. Procuro a faca de mão que deixei na minha mochila por precaução, e respiro ao confirmar que está no devido lugar. 

Levanto a mão para alcançar a porta, e antes que tenha tempo de fazer, uma pequena fresta se abre, revelando um par de olhos, cobertos por um óculo fino, e cabelos loiros, é uma mulher.   

- Eu... 

- Qual seu nome? - Ela me interrompe antes que possa falar. 

- É... - Não seria ideal falar meu nome para uma desconhecida. - Marco, Marco Finato. 

Seus olhos se apertam para mim, e ela fecha a porta, ouço o barulho de trancas e chaves contra a madeira, que de repente é aberta, e sou recebido pela mesma garota, agora apontando uma faca para mim. 

 Tranco a respiração e a encaro, sentindo meu corpo esquentar. 

- Está armado? - Engulo em seco com sua pergunta. 

- Não. 

Ela me olha de cima a baixo, e abre espaço para que eu entre. A passos lentos passo pela porta, que ela logo empurra e tranca atrás de mim. Olho o lugar, o hall segue um corredor até acabar em uma pequena sala. 

- Venha, tenho que te mostrar algo. - Ela não me esperar responder, e toma afrente subindo a escada lateral que avia ali. 

A casa está majoritariamente escura, e silenciosa, não acho que a mais ninguém aqui além da garota a minha frente. 

No topo da escada, a outro corredor, do lado direito a duas portas, e do lado esquerdo a apenas uma porta no final da parede, que é a que vamos em direção. Ao abrir com uma chave, do lado de dentro está cheio de pedaços de jornais nas paredes, fios conectando coisas, post its, e muitas fotos de pessoas, e imagens de criaturas. Fixo os olhos em dois desenhos, um deles parece muito um andarilho, e o outro parece querer representar um perseguidor, mas não a pernas, ou se quer um rosto na figura. 

Ela senta em uma cadeira giratória, e me observa em pé.  

- Então, o que você sabe? - Sua pergunta chega sem preliminares. Me encosto em uma bancada, deixando a mochila apoiada em meus pés. 

Continuo olhando para tudo aquilo, sem saber exatamente o que falar. Minha atenção foca para um jornal com a manchete “GAROTA ENCONTRADA DESMAIADA EM CASA” Seguida de uma foto, me aproximo da imagem, meus olhos se arregalam, e minha respiração acelera. Devagar, coloco os dedos levemente na foto, reconhecendo a pessoa, não com aquele sorriso, mas os olhos, o cabelo, e até a cicatriz na boca, eu sei de quem são.   

- Sarah... - A palavra sai tão leve dos meus lábios que mal tenho certeza se realmente pronunciei algo.  

Vejo então a garota que antes estava sentada, se aproximar ao meu lado, e começar a apontar para vários recortes.  

- Giovana, desmaiada. Maria, desmaiada. Bruna, Thais, Marina, Manuela, Guilherme, Eduardo, Samuel, Jhonatan, Kamila, Gustavo. - Ela para pôr um momento, seus dedos deslizando pelas fotos. - Todos do mesmo jeito. Desmaiados, com os batimentos fracos, como se estivesse... 

- Dormindo... - Concluo a frase antes que ela possa falar. 

Vejo as reportagens, e todas indicam os mesmos sintomas, e como eu suspeitava. 

- Todos seguem um padrão, fluido escuro e espeço em suas veias, corpo sem qualquer reação a medicamentos, coração tranquilo.  

Ela para, e olha para mim. 

- A mesma idade. - Analiso mais as notícias.   

Não a nada aqui sobre Shinnayder, e essa garota parece realmente muito aprofundada no assunto, então, por que ele não está aqui? 

- Shinnayder, conhece o caso de alguém com esse nome? 

Ela me olha, parecendo confusa. Caminha para o outro lado do quarto, e de dentro de uma pasta preta, tira outra folha de jornal. 

- Você está falando do explorador? É bem difícil ter coisas dele, já que ele sumiu a muito tempo. 

Junto as sobrancelhas em confusão, e me aproximo dela. O Jornal que segurava entregava uma manchete falando sobre o grande explorador que foi até a ilha misteriosa do ponto Nemo, para estudar os nativos de lá, e nunca mais voltou. Minha respiração ganha um ritmo minimamente alterado, e tiro o papel de suas mãos o segurando, e lendo o resto da notícia.  

 

“O grande explorador Larry Shinnayder, 
 foi em o que se considera uma de suas maiores pesquisas, 
 ao se aventurar para conhecer a misteriosa ilha  
do ponto Nemo do oceano.  

Alguns apontam dizer que ele está louco, 
 devido ao histórico de ataques violentos  
a qualquer tipo de interação perto da ilha.  

Mas em uma entrevista sobre sua vigem ele disse: 

‘As pessoas me chamam de louco, e eu não me importo. 
 A mais conhecimento entre os céus e a terra, 
 do que a vã filosofia dos homens possa imaginar.  
E conhecimento é poder! 

 

A leitura me deixa extasiado, e sinto meus dedos apertarem o papel. Olho para a garota que me encara confusa. 

- O que foi? Você parece assustado. - Balanço a cabeça, afastando aqueles pensamentos.  

- Nada. - Para minha sorte, ela não questiona, e apenas cruza os braços. 

- Me mandou mensagem falando sobre o Valum, o que sabe sobre esse lugar? - Ela volta a sentar na cadeira. 

Passo a mão pela nuca, e olho para as paredes cobertas por papel. 

- Já fui pra lá. 

- Mentira.  

Sua fala é quase tão instantânea quanto a minha, e por um segundo tenho a impressão que as duas respostas saíram ao mesmo tempo. Viro meu resto para ela, que se mantem seria, e sem dizer mais nada.  

- Por que mentira?  

- Ninguém sai do Valum, e se você realmente já foi para lá, não iria voltar. Está mentindo. - Mais uma vez, sua resposta é quase tão rápida quanto a minha. 

Bagunço meus cabelos com a mãos, e a olho. 

- Não teria o menor motivo para mentir. Eu estou na casa de uma estranha, em um lugar que não conheço, falando sobre pessoas que entrando em um coma, e um deserto afundado na escuridão.   

- Deserto? - Ela questiona, com as sobrancelhas levantadas.  

- Sim. 

- Está mentindo de novo. - Dessa vez eu reviro os olhos e suspiro pesado. 

- Porra garota, por que eu estaria mentindo? - Sinto minha paciência se esvaindo, mas me controlo ao máximo.  

- Os Cocuarem acreditam que o Valum – Dessa vez, eu a interrompo. 

- Os Cocuarem não sabem o que falam, justamente porque eles comem a vítima logo depois dela apagar. 

- A pessoa não volta. Você está dizendo que os nativos que cultuam a religião, não sabem como ela funciona? - Suas palavras são mais firmes, e agora ela está em pé a minha frente. 

Minha respiração está tensa. Fecho os olhos e relaxo, pensando no que falar para que ela acredite nas minhas palavras.  

- Eduarda. 

Abro os olhos, e viro meu rosto para o seu. 

- O que?  

- Meu nome, é Eduarda. - Ela repete, e não sei se posso acreditar, levando em conta que eu mesmo menti meu nome. 

Apenas concordo com a cabeça, me afastando para o outro lado da sala.  

- Como é lá? - Escuto sua pergunta, mas não me viro para responder, apenas continuo observando os desenhos das criaturas que conheço. 

- Infinito, vazio, silencioso, escuro e atormentador. - Defino o lugar em poucas palavras, esperando alguma reação.  

- Explique melhor. - É a única coisa que ela diz.  

Então, me viro em sua direção, agora, com o desenho do andarilho. 

- Como eu disse, é como um enorme deserto sem fim. Tudo é silencioso, não a plantas, animais, insetos, nuvens, estrelas, lua ou sol. Lá não se respira, não sente dor, sono, ou qualquer outra coisa de um ser humano normal. Para os Cocuarem, aquele lugar deveria ser o céu, ou algo parecido, mas a realidade, é como estar preso dentro de um pesadelo sem fim. - Respiro fundo, e mostro o desenho para ela que me olha. 

- Sabe o que é isso? - Eduarda analisa a imagem, em silencio. 

- São Boreãs. - Ela diz, como se fosse óbvio. 

- Você os vê?  

Ela nega com a cabeça, me surpreendendo. 

- Só os transcendentes podem ver. - Outra vez, falando como se fosse óbvio. 

Viro o desenho para mim, e o troco pelo perseguidor incompleto desenhado ao lado.  

- E esse? - Ela vira a cabeça levemente para o lado. 

- Merthures. 

- Errado. 

Suas sobrancelhas se juntam, e ela caminha até mim, tirando o desenho de minhas mãos.  

- Não está errado. - Ela olha para imagem, procurando algo.  

- Está sim, eles têm pernas, um sorriso fino e que cobre meio rosto, e é longo e curvado. - Vejo sua boca se abrir levemente, seus olhos sobem para os meus. 

- Como você?... - Não deixo que termine a frase.  

- Bem, parece que você encontrou um transcendente. - Digo, sentindo vergonha por me titular assim.  

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