Babys.

CADAVER;

 CADAVER.


Um ano atrás...


    Acredito que deveria ser ensinado ao menos uma vez na vida, a forma correta de como esconder, ou ao menos sumir com um corpo. Claro eu sempre fui fascinado por assassinos em série e casos criminais, mas isso não é exatamente um tutorial de como fazer a coisa.

    Quando você se encontra nessa situação, vários cenários vêm a sua mente que tenta incansavelmente achar uma saída; enterrar com um animal morto em cima, acido, cortar em partes e separar, esconder, fritar e dar para porcos comer (o que até é uma boa opção), jogar no rio com uma pedra, abandonar em algum canto, e outras milhares de formas, mas por mais eficazes que pareçam, muitas pessoas já fizeram isso e foram pegas.

     Não a digitais minhas pelo corpo, fios de cabelo, nem cheguei perto, não fiz nada, eu apenas o encontrei enquanto caminhava. Estirado, de bruços para o chão, é um homem, pernas e braços rentes ao corpo, cabeça virada para a esquerda, sem os olhos, calcanhares cortados, unhas arrancadas, cabeça raspada, sem os dentes e uma grande abertura nas costas deixando suas costelas, pulmões e outros órgãos expostos. Estou no mínimo a um metro e meio de distância do que antes era uma pessoa vida.

     Não a vermes transbordando pelo espaço dos olhos, a boca e o rosto seguem tons entre verde, roxo, e branco, assim como todo o resto, ele não está pelado, mas não usa camisa e a calça está abaixada até metade dos joelhos deixando apenas a cueca suja de sangue seco exposta e no lugar original. Não a marca de passos ao redor do corpo, nem documentos, ou se quer restos da camisa que poderia estar usando, não sou perito criminal, policial, guarda florestal, ou qualquer merda oficial que seja, sou uma pessoa tão normal quanto um vendedor de sorvete.

    Permaneço encarando a imagem a minha frente estático, não por medo, ou algo do tipo, mas a simples e pura curiosidade, na forma mais aberta que existe, o que vejo é tão grotesco e violento que meu cérebro reverba entre ideia de terminar o serviço e sumir com as provas, ou continuar meu caminho até o trabalho. É mesmo, trabalho, era pra lá que estava indo quando decido que pegar o carro é muito trabalho já que tinha acordado mais cedo, e fazia tempo que não caminhava, a trilha na floresta ainda existia e era possível cortar boa parte do caminho passando por ela, o dia estava cinzento e eu caminhava mais pensando no que comeria quando voltasse para casa, do que quanto tempo levaria para chegar ao trabalho, foi quando ouvi um piado de um pássaro me fazendo sair da nuvem de pensamentos e olhar para o lado, o encontrado.

   Como se o destino tivesse me trazido até aqui, eu poderia ter ignorado o pássaro e continuado, poderia ter pegado o carro, poderia ter virado para o lado e dormido mais um pouco até o alarme tocar e eu ser forçado a levantar.

   Sinto meu bolso vibrar e o alarme parece mais estridente do que o normal, e pela primeira vem desvio o olhar daquilo e pego o celular, olhando as horas, o alarme que toca me avisando que faltam cinco minutos para meu horário começar, encaro a tela ainda ouvindo o barulho irritante que dispara. Desligo o aparelho fazendo o som cessar e encaro o caminho a minha frente, percebo nesse momento que minhas mãos estão extremamente geladas, coloco as no bolso do casaco e me viro novamente para o companheiro ao lado, vejo uma pequena mosca que pousa em seu nariz se mexendo lentamente, entrando enfim e sumindo da minha visão.

     Pego o celular novamente e vejo que já estou dez minutos atrasado. Suspiro vendo meu hálito sair como fumaça da minha boca, e percebo que a boca do homem também está aberta, mas ele já não respira a muito tempo.

     Ouço novamente o som de pássaros e olho para cima, o sol provavelmente não irá aparecer hoje, e o clima parece mais nebuloso a cada minutos que passa. Imagino o quão gelado o corpo deve estar, e por um momento cogito encostar para verificar, mas dispenso o pensamento quase instantaneamente.

      A mosca reaparece, mas dessa vez, ela sai pela sua boca, voando para longe novamente.

       O cheiro de podridão ainda não se espalhou, e mesmo na distância que estou, não sinto nada que caracterize um cadáver.

      Sinto novamente meu celular vibrar e o tiro do bolso para verificar. Um colega do trabalho está me ligando, clico em atender enquanto ainda observo cada mínimo detalhe do corpo.

      - Onde você está? 

     Consigo ouvir som de teclas ao fundo, e barulho de impressora.

       - Eu, estou um pouco ocupado...

     As palavras saem da minha boca de maneira estranha, como se eu estivesse pela primeira vez falando algo depois de semanas sem dizer nada.

       - O que é mais importante do que estar no trabalho na hora certa? Você sabe que o chefe odeio atrasos, e você não tem uma boa ficha.

       Ele estava certo, não seria a primeira vez que me atraso, costumo fazer isso principalmente em dias como hoje, nublados, cinzentos e frios. Mas hoje eu tive a oportunidade de chegar mais cedo do que meu próprio chefe, ainda sim, me atrasei.

      - Eu sei... Talvez eu não vá hoje, estou... – Por que eu não iria? – Estou... Não estou me sentindo bem.

       Ouço ele falar com outra pessoa fora da linha, e percebo que algumas formigas começaram a subir até a abertura no calcanhar do homem no chão, acredito que os insetos estão entendendo agora que aquilo está ali como alimento e não como ameaça.

      - O que? Não está se sentindo bem? Que história é essa? Olha, vou tentar te cobrir se me disser que consegue chegar por volta do meio-dia.

      Afasto o celular da orelha e olho o relógio “08:25”, escuto sons ainda do outro lado da linha, ele está aguardando a minha resposta.

      - Okay, estarei aí. – Digo por fim, vendo as formigas caminharem pelo sangue seco.

      - Tá bom, te vejo mais tarde, tchau!

       Tiro o celular da orelha e o coloco no bolso novamente. Por que eu fiquei aqui?

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