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CASA;

 CASA;

Todas as criaturas malignas do mundo vivem em algum lugar. E não falo dos serem humanos, falo daquilo que não é tangível. Daquilo que paira nos becos escuros, daquilo que apaga as luzes de noite, que sussurra no ouvido de madrugada. Quando o corpo arrepia, quando viramos lentamente para trás, e não a nada, quando ficamos frente a frente com o mal. 

 

3h00 AM 

Esses passeios eram os melhores. Eu e meus amigos tínhamos o costume de sair durante a madruga para andar de skate. Hoje em específico esse era o plano, mas um dos nossos colegas disse que havia encontrado uma casa abandonada em um terreno baldio do outro lado da cidade, e como era sexta feira, não tinha motivo nenhum para recusar andar um pouco mais só para ter uma diversão extra. 

A ida até lá foi tranquila, encontramos alguns postos de gasolina 24h, compramos energéticos, e chips para nos mantermos acordados. 

Nosso amigo que conhecia o lugar parecia um pouco nervoso em todo o caminho. Estávamos em três nessa noite, e nunca foi do costume dele fazer reclamações por pararmos em algum lugar, mas hoje, ele estava estranhamente irritado. 

- O que deu nele hoje? 

Faltava uns 10 minutos para chegar no local, então eu decido que deveríamos ir andando para não sermos pegos de surpresa caso tenha alguém lá, o que não agradou muito meu amigo. 

- Eu não faço ideia. 

Continuamos andando lentamente, de longe já conseguíamos ver o terreno, mas a casa ainda não era visível. Subitamente, um arrepio me subiu a nuca, um vente gelado soprou, e meu corpo ficou tenso. Parei meus passos e respirei pesado. 

- Cara, você está bem? Parece que viu um fantasma. 

Minha respiração se normalizou aos poucos, e olhei para frente. 

- Eu não sei o que aconteceu, só fiquei ruim do nada.  

  - Por que vocês estão parados? Vamos logo! - Nosso colega mais a frente grita chamando atenção.  

Carlos tinha a mão no meu ombro para me impedir de possivelmente cair no chão.  

- Dylan vai se fuder! O cara não legal! 

- Carlos, de boa, só vamos logo pra essa casa. 

Continuamos a andar, e meu skate na mão parecia mais pesado que o normal. 

- O que tem de tão importante nessa casa? Ele parece um maluco. 

Dou uma risada sem ar, sentindo meu peito doer minimamente.  

- Pode ter uma mulher gostosa com peitos enormes. 

Carlos solta uma risada alta com meu comentário. 

- Espero que sim. Se ele me fez andar até aqui por uma casa velha em empoeirada, vou pegar a irmã dele como pedido de desculpas.  

Nós dois rimos juntos, a sensação ruim desaparece aos poucos. 

- Cara, vocês são muito lentos!  

Quando olhamos para frente, Dylan já está de frente para a entrada do terreno, nos esperado. 

- Já chegamos papai. 

Olho para a casa mais ao fundo, não é tão grande, e seu estado não é tão ruim, ainda sim, claramente se percebe que ela não está em uso a muito tempo. 

- É isso? - Carlos diz, claramente decepcionado com o local. 

- Vamos entrar. 

Dylan não nos espera, só atravessa o mato alto em direção a entrada da casa. 

- Não acho que vá ter uma mulher gostosa lá. 

Carlos me olha e apoia as mãos na cintura. 

- Ainda tem a irmã dele. - Digo para melhorar seu humor. 

Depois disso, ele apoia o skate no ombro e começa a adentrar o local. Sem esperar muito, sigo atrás dele para não me distanciar. 

Chegamos em frente à casa, subindo os três degraus sujos do local. 

- Então, o que tem de tão emocionante nesse lugar? - Carlos diz assim que chega perto da porta. 

Olho ao redor, a escuridão da noite é tão intensa que faz a rua a alguns metros parecer aterrorizante. Engulo em seco e encaro Dylan, esperando alguma novidade. 

- Vocês não vão se arrepender. 

Sua fala me deixa confuso, por um momento, penso que ele deve ter ouvido minha conversa com Carlos e realmente tem uma mulher com peitos enorme ali dento. Mas ao empurrar a porta, e o pouco de luz do lado de fora passa pela entrada, faz um arrepio novamente surgir na minha nuca, e minha mão começar a suar. 

O hall de entrada estava destruído pelo tempo, o cheiro de dentro era tão ruim que fez minha cabeça girar, um silencio perturbador vinha da casa e institivamente dou um passo para trás, me afastando dali. 

- Vamos, entrem. 

Olho para Carlos um pouco a minha frente. Ele se inclina levemente, e aperta o skate no ombro. 

- Legal, mas não, valeu. 

Dylan nos encara irritado, e sua feição faz meu coração acelerar. 

- O que? 

- Dylan, não vou entrar na merda dessa casa, é bizarra pra cacete. Foi daora o percurso até aqui, mas já é 3h45, e estamos do outro lado da cidade. 

Sinto meu peito bater cada vez mais forte ao olhar para dentro da casa. 

- É verdade Dylan, esse lugar é legal, mas podemos vir amanhã aqui, durante o dia poderemos ver melhor. E nenhum de nós tem lanterna e eu nem sei se meu celular tem bateria ainda. - Minha voz soa tensa. 

Vejo seu maxilar ficar tenso, e seus punhos fecharem. 

- Parem com essas merdas de desculpas! Vocês disseram que queriam vir, agora vão entrar! 

Desço alguns degraus me afastando da porta, me assustando com seu grito, o silencio era tão intenso que sua voz alta fez meus ouvidos doerem. Carlos o empurra fazendo suas costas colidirem contra a parede, jogando o skate no chão.  

- Escuta aqui seu imbecil, não queremos entrar! O que deu em você? Tá agindo igual um psicopata, pare com essa merda toda e vamos embora. 

Dylan treme de raiva. Carlos pega o skate e passa por mim chegando ao mato, engulo em seco e os olhos de Dylan se viram para mim. 

- Carlos! - Grito. Olho para o meu amigo a alguns metros de mim, ele me encara com raiva, e confuso por eu não o ter seguido. 

Passo a mão na nuca sentindo meu corpo suado. 

- Vamos entrar... Só um pouco, viemos até aqui já, se ficar muito tarde pode dormir lá em casa depois. 

Ele me olha franzindo a testa, abaixa a cabeça e respira. 

- Cinco minutos nisso aí, e vamos embora. 

Ele volta para nós. 

Dylan não nos espera dessa vez, e entra na casa como se já conhecesse o lugar. Carlos chega ao meu lado e eu coloco a mão no seu ombro. 

- Vai ser de boa, não sei o que Dylan tem com essa casa, mas vamos entrar só pra não desperdiçar a viagem. - Ele olha fixamente para dentro do local sem se virar para mim. 

- Esse lugar é bizarro pra caralho. 

Olho para dentro, tentando ignorar o mal pressentimento que me toma, e repensando minha decisão de entrar ali. 

- Tem a irmã dele. 

Dessa vez, Carlos me olha, e se semblante relaxa um pouco. 

- Vamos acabar logo com isso. 

Ele então passa na minha frente, e eu o sigo deixando a porta aberta para trás. 

Avia uma parede do lado direito, que se separava em duas na metade da casa, dando abertura a um corredor longo com algumas portas e uma janela no final. Do lado esquerdo avia uma mesa de centro e uma cozinha mais ao longe. Havia pouca luz, então era preciso forçar bastante os olhos para conseguir identificar o que era cada coisa. 

- Onde está o Dylan? - Minha voz soa alta no silencio da sala. 

Carlos se vira para mim e quase não vejo seu semblante na escuridão. 

- Não faço ideia. Eu não consigo ver nada nesse lugar, e aqui fede a animal morto. 

Aquele lugar realmente fedia, mesmo com pouca luz conseguia ver como avia sujeira e muitas coisas pelo chão. Me mantive no lugar parado, com medo de que algo pudesse acontecer, ouvia a respiração baixa de Carlos a minha frente. Procurei com os olhos por algum movimento que pudesse apontar onde Dylan estava. Olhei então para o final do corredor, minha respiração parou. Havia algo, no canto da janela no final do corredor, aquilo olhava para mim. 

- Car- Antes que pudesse falar qualquer coisa, sou interrompido. 

- Dylan! É você aí? 

Carlos começa a andar na mesma direção daquilo, ele viu o mesmo que eu, e está indo até lá. Meus pés estão travados, não consigo me mexer, a voz não sai pela minha boca, vejo meu amigo se mover e meu corpo esquenta. 

- Ei, você ouviu algo? - Nesse momento, seu rosto vira para trás, eu não sei quanto tempo aquela cena durou, meu corpo pesado e meu peito doendo. 

Seus olhos se viram nas orbes, sua boca se abre puxando o ar com força, as veias do seu pescoço saltam. Seu corpo levita do chão até se aproximar do teto, nesse momento, todo seu corpo fica esticado, as pernas abertas, os braços afastados, a cabeça para trás. Seus pés então são quebrados, junto com cada dedo dá mão, consigo ouvir sua voz sendo sufocada para não gritar, o som dos ossos faz meu corpo arder e sinto bile subir pela minha garganta. Seus membros são virados para trás brutalmente, fazendo seu corpo se deformar, então são arrancas de si, e largados ao chão, o sangue jorrando do seu troco, a cabeça para trás já sem a pressão no pescoço.  

Ele cai, mole no chão, sua cabeça bate contra o piso fazendo com que um estalo alto soe. 

Sem aguentar a sena, o vomito sobe minha garganta e coloco tudo para fora, o atrito machuca minha garganta, lagrimas incontroláveis descem meu rosto, e o cheiro de sangue me deixa ainda mais tonto. 

Me sento no chão, meu corpo fraco, ainda tenta reagir aos cheiros fortes na casa. 

Olho para o resto do meu amigo sinto meu corpo dolorido. 

Tento me levantar, mas antes que firme o pé no chão, a cabeça de Carlos se levanta, me encarando os olhos brancos, a boca roxa, e todo o resto pálido, ele cospe sangue incontrolavelmente, e não percebo que estou gritando até sentir sangue na minha boca. 

Então tudo para, a cabeça volta ao chão e uso toda a força restante do meu corpo para levantar-se e fugir dali, meu peito arde pelos batimentos, e lá fora ainda é noite. Antes que chegue à porta sinto meu pé preso a algo. 

Grito sentindo tudo doer. 

Aquilo sobe meu corpo, entrando pela minha boca, me sufocando, as lagrimas quentes descem meu rosto, meus membros param. A última coisa que lembro é de nossa conversa antes de tudo. 

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- Uma casa abandonada? 

Carlos diz antes de descer a rampa com o skate, eu estava sentado na borda com Dylan ao meu lado em pé. Aviamos chagado a uma hora naquele lugar, e desde que ele chegou, não parava de falar em um lugar que avia achado. 

- Sim! Fica do outro lado da cidade, é incrível. 

O escuto falar enquanto procuro algo para beber na minha mochila. 

- Do outro lado da cidade? O que estava fazendo lá? 

Ele me olha e balança os ombros. Carlos reaparece ao nosso lado, subindo na borda e segurando o skate. 

- Não sei, fica muito longe. - Carlos diz, juntando as sobrancelhas. 

- Vamos, vai valer a pena. - Dylan nos encara. 

Bebo a água que encontrei e me levanto os observando. 

Carlos, coça a nuca e me olha, como se quisesse ver minha opinião. 

- Bem, vamos lá então. - Digo por fim, ele então apenas concorda e suspira, pegando a mochila do chão, Dylan nos encara sorrindo alegre. 

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Como eu disse, coisas ruins então sempre em algum lugar. As vezes longe, as vezes perto. E quanto elas aparecem, você pode ter certeza de que elas não são do tipo que batem portas, ou joga coisas no chão, não. Elas são do tipo que olham nos seus olhos e dizem o seu nome em voz alta. 

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